Minha alma estava mergulhada num universo translúcido de caos e eu nem sabia distinguir minha vida pessoal da profissional. Pelo menos é o que me dizem sempre desde que o Gabriel se foi. Então quando encontrei aqueles castanhos olhos, que a principio não representava nada. Mas nada como aquele hipno olhar, cuja estranheza causou em mim uma sensação dual, pois apresentava-se tão viril e tão imaturo que me deixou ligeiramente fragilizada. Parece que ele sentia, mesmo contra o vento, o perfume afrodisíaco que era expelido como larva de vulcão do meu corpo. Agora... Merda!
Fui àquela droga de lugar para tentar relaxar e esquecer problemas, pensar uma nova carreira e me acontece isso... Essa droga me martiriza e, definitivamente, eu não sei o que fazer. O Gabriel se foi, mas é como se ele estivesse aqui... toda essa culpa... Meu Deus!
Definitivamente – como sempre dizia –, Paula não sabia o que fazer. Tentou, então, esvaziar a cabeça pondo-a entre às mãos enquanto recolhia o ventre à proteção das pernas. Envolta por todo bem-estar dum luxuoso ambiente, sentia-se mal por dentro. Seu interior estava sendo corrompido pela dor da perda e pela culpa de um amor que inocentemente apareceu e a deixou desolada.
Se as pessoas e se ele soubesse pelo que tenho passado todos esses dias, talvez fosse mais fácil. Se ele soubesse que no dia seguinte eu estive lá para provar aquele beijo que me inflamou... Ah! Se ele soubesse que ao invés de sair andando, mantendo a pose e a postura o que eu mais desejava era correr e sumir.
Enquanto a frescura do condicionador de ar a envolvia, o conforto da poltrona à acolhia, o colorido das paredes a projetou num vazio insólito e quando se deu por si havia derramado uma única lagrima. Rapidamente enxugou o rosto e da mesma forma olhou ao redor. Nesse virar de cabeça, ao lado esquerdo, viu uma pintura torneada por uma medieval moldura, levantou-se e se dirigiu, descalça e portando pouca roupa – um baby doll –, à pintura, atravessando um curto espaço na sala pouco iluminada. Parou, coisa de trinta centímetros de distância do quadro e o observou atentamente, observou e torneou a moldura com o indicador percebendo a resposta para seus problemas ali. A imagem materializava-se em rústica, mas magistral mistura de tintas: dois corpos nus, entrelaçados, em tons azuis amarelados, como se fosse apenas um e um corpo estranho abraçando ambos. Agora, já violando a sacralidade da obra de arte, percorria com o dedo as curvas onde ora entendia-se o másculo, outrora a sensibilidade feminina. Correu a imagem sentido a aspereza da textura antiga até chegar ao fim onde jazia escrito: pourquoi Rodin. Sem entender muito do francês, se retirou obtendo uma possível resposta às suas inquietações.
Recolheu-se ao seu pequeno aconchego de reflexões e ali ficou por algum tempo pensando se o que a atormentava eram valores morais, tesão, saudade ou tudo aquilo junto. Levantou-se, pois, e se dirigiu à saída do escritório; abriu a porta e enquanto se retirava do amplíssimo escritório riu-se suavemente, sem saber se por confusão ou desespero, tomou a direção do corredor de quartos. Adentrou o ambiente, abandonando o gélido chão e encontrando a maciez felpuda dum tapete tailandês, buscou o aparelho telefônico em cima dum criado-mudo onde jazia também uma robusta e prateada desert eagle.50. Observando a grave falha recolheu a potentíssima arma e a pôs numa misteriosa bolsa; daquela retirou um móbile phone e sentada sobre uma das pernas com a coluna suportando uma curvatura de berimbal Maria colocou-se a pensar sobre os porquês de tudo aquilo enquanto digitava alguma mensagem no aparelho.
Abriu a bolsa, pegou uma vez mais sua arma, manuseou aqueles dois quilos com extremíssima facilidade. Ponderou e, guardou a belicosa. Levantou-se lentamente do conforto daquela cama, respirou profundamente, externando determinação e se dirigiu a sacada do quarto. Sentiu uma fresca brisa acariciar sua face, no décimo oitavo andar daquele apartamento na parte nobre da capital baiana, olhando à beleza já nostálgica do mar deixou se corpo reclinar sobre a pequena barreira de proteção projetando seu corpo numa queda livre sem voltas.
Segundos depois, Dona Dada, funcionária da casa chega ao local procurando sua patroa, mas enquanto d. Dada lá em cima a procurava, lá em baixo um bolo de gente circundava os farelos humanos daquela linda mulher. Só restava agora a tristeza e uma mensagem no móbile phone: “me desculpem, amos todos vocês!”