19 de fevereiro de 2011

Saltos de Coragem

Minha alma estava mergulhada num universo translúcido de caos e eu nem sabia distinguir minha vida pessoal da profissional. Pelo menos é o que me dizem sempre desde que o Gabriel se foi. Então quando encontrei aqueles castanhos olhos, que a principio não representava nada. Mas nada como aquele hipno olhar, cuja estranheza causou em mim uma sensação dual, pois apresentava-se tão viril e tão imaturo que me deixou ligeiramente fragilizada. Parece que ele sentia, mesmo contra o vento, o perfume afrodisíaco que era expelido como larva de vulcão do meu corpo. Agora... Merda!


Fui àquela droga de lugar para tentar relaxar e esquecer problemas, pensar uma nova carreira e me acontece isso... Essa droga me martiriza e, definitivamente, eu não sei o que fazer. O Gabriel se foi, mas é como se ele estivesse aqui... toda essa culpa... Meu Deus!

Definitivamente – como sempre dizia –, Paula não sabia o que fazer. Tentou, então, esvaziar a cabeça pondo-a entre às mãos enquanto recolhia o ventre à proteção das pernas. Envolta por todo bem-estar dum luxuoso ambiente, sentia-se mal por dentro. Seu interior estava sendo corrompido pela dor da perda e pela culpa de um amor que inocentemente apareceu e a deixou desolada.


Se as pessoas e se ele soubesse pelo que tenho passado todos esses dias, talvez fosse mais fácil. Se ele soubesse que no dia seguinte eu estive lá para provar aquele beijo que me inflamou... Ah! Se ele soubesse que ao invés de sair andando, mantendo a pose e a postura o que eu mais desejava era correr e sumir.


Enquanto a frescura do condicionador de ar a envolvia, o conforto da poltrona à acolhia, o colorido das paredes a projetou num vazio insólito e quando se deu por si havia derramado uma única lagrima. Rapidamente enxugou o rosto e da mesma forma olhou ao redor. Nesse virar de cabeça, ao lado esquerdo, viu uma pintura torneada por uma medieval moldura, levantou-se e se dirigiu, descalça e portando pouca roupa – um baby doll –, à pintura, atravessando um curto espaço na sala pouco iluminada. Parou, coisa de trinta centímetros de distância do quadro e o observou atentamente, observou e torneou a moldura com o indicador percebendo a resposta para seus problemas ali. A imagem materializava-se em rústica, mas magistral mistura de tintas: dois corpos nus, entrelaçados, em tons azuis amarelados, como se fosse apenas um e um corpo estranho abraçando ambos. Agora, já violando a sacralidade da obra de arte, percorria com o dedo as curvas onde ora entendia-se o másculo, outrora a sensibilidade feminina. Correu a imagem sentido a aspereza da textura antiga até chegar ao fim onde jazia escrito: pourquoi Rodin. Sem entender muito do francês, se retirou obtendo uma possível resposta às suas inquietações.


Recolheu-se ao seu pequeno aconchego de reflexões e ali ficou por algum tempo pensando se o que a atormentava eram valores morais, tesão, saudade ou tudo aquilo junto. Levantou-se, pois, e se dirigiu à saída do escritório; abriu a porta e enquanto se retirava do amplíssimo escritório riu-se suavemente, sem saber se por confusão ou desespero, tomou a direção do corredor de quartos. Adentrou o ambiente, abandonando o gélido chão e encontrando a maciez felpuda dum tapete tailandês, buscou o aparelho telefônico em cima dum criado-mudo onde jazia também uma robusta e prateada desert eagle.50. Observando a grave falha recolheu a potentíssima arma e a pôs numa misteriosa bolsa; daquela retirou um móbile phone e sentada sobre uma das pernas com a coluna suportando uma curvatura de berimbal Maria colocou-se a pensar sobre os porquês de tudo aquilo enquanto digitava alguma mensagem no aparelho.


Abriu a bolsa, pegou uma vez mais sua arma, manuseou aqueles dois quilos com extremíssima facilidade. Ponderou e, guardou a belicosa. Levantou-se lentamente do conforto daquela cama, respirou profundamente, externando determinação e se dirigiu a sacada do quarto. Sentiu uma fresca brisa acariciar sua face, no décimo oitavo andar daquele apartamento na parte nobre da capital baiana, olhando à beleza já nostálgica do mar deixou se corpo reclinar sobre a pequena barreira de proteção projetando seu corpo numa queda livre sem voltas.


Segundos depois, Dona Dada, funcionária da casa chega ao local procurando sua patroa, mas enquanto d. Dada lá em cima a procurava, lá em baixo um bolo de gente circundava os farelos humanos daquela linda mulher. Só restava agora a tristeza e uma mensagem no móbile phone: “me desculpem, amos todos vocês!”

2 de fevereiro de 2011

"Coronelismo, enxada e voto."

Um dia desses aí, numa fresca manhã, Junior havia levantado cedo, como de costume, por volta das seis horas. Nesse ínterim uma parca neblina cobria a copa de algumas árvores num amplo e declinado curral. Uma beleza estonteante contemplou a vista do garoto quando o sol que se erguia a lentos passos por detrás dum pequeno monte ao lado de sua casa, lançou flechas de luz sobre a copa daquelas mesmas árvores penetrando a quase nula neblina.
Quando a coluna de névoa se esvaiu, ele pode ver com os olhos brilhantes e o rosto acariciado por refrescante brisa, a fontinha onde alguns cabritos e bois, e a novilha Rosa Branca pastarem e beberem água ali perto. Além da fonte Junior podia ver uma singela horta, em variados tons de verde mais à esquerda e um lindo e colorido pomar à direita. Observando o pomar, desejou as vermelhas maças que brilhavam, nas organizadas fileiras, como bolinhas numa árvore de natal. Antes de poder contemplar a beleza dos mamoeiros e das flores de maracujá que pendiam da cerca ao lado um forte cheiro de café penetrou-lhes a narina. Aquela sensação rotineira fez Junior tomar uma decisão ousada e quando se deu por si, estava dividido simetricamente pela farpada cerca que o separava do curral e do glorioso pomar, do éden jardim. Mas quando no meio da ousada atitude ecoou um grito:
– Ôoo, Juninho! Vem tomar café menino. Percebendo a demora na resposta, dona Maricota, insistiu com ímpeto, autoridade e força: Junior!
Juninho era um menino magricelo de oito anos com os olhos fundos e a barriga estufada, tinha todos os sintomas de lombrigas diversas. Após o grito, o menino assustado, sem camisa, só de short e de pés descalços estremeceu entre o paralelo farpado que o separava do curral. Balançou e quando tentou recuar o amarelado short enganchou nos arames. Lutou com força até que o shorts ganhou um rasgão. Por sorte não se lascou no farpado. Mas agora sua mãe já estava parada a observá-lo.
– Que é que tu ta fazendo aí menino? Já num disse pra você não atravessar essa cerca? Arrede pra dentro.– Ta mãe. Eu só queria comer uma maçã.– Não quero saber de explicação. Vamos.
Entraram na pequenina casinha, coisa de quatro curtas paredes e três cômodos. As paredes davam sinais de todo o desgaste temporal, pois o mofo corroia-lhes os pés. Na sala um sofá antigo e escrachado, uma máquina de costurar puro ferro que servia de banca para o radinho AM/FM. Na cozinha o fogão a lenha soltava labaredas volumosas que corroíam a madeira e nada mais, além de manchar as ripas corroídas do telhado.
– Come aí que vamos na rua levar a roupa da dona.– Certo. Respondeu cabisbaixo. Mãe, posso fazer uma pergunta?– Mais uma, não é? Pode sim.
Juninho com a curiosidade da infância lança a inocente pergunta: – Porque tem tanta terra lá do lado da casa do doutor Manoel e do nosso lado só tem isso?
– Ora... Ques pergunta são essa, menino? O homem é político, por isso tem tanta riqueza. Além do mais ele nos ajuda dando cesta básica.– Mas, mãe. Eu queria maçãs e aquelas frutas lá do curral. E essas compra que ele da pra nós num instante acaba e ele demora um tempão... um tempão para dar outra.– Ó. Eu vou lhe explicar como a coisa funciona. Um político precisa de votos. Então, o seu Manoel promete a nós que nos beneficia se a gente votar nele. Então nós vota.– E se a gente não votar nele, o que acontece mãe?– Ele não ganha e nós também não ganha. Porque se um político ruim entrar não vai dar cesta básica pra gente e remédio pra gente.– E como é que ele sabe que nós não votou nele?
Um silêncio reticente abateu o ambiente rapidamente.
– E eu sei, ué?– Então, mãe, a gente não pode procurar um político melhor, que da mais coisa pra gente?
Dona Maricota uma senhorita de uns trinta anos, cabelos lisos e penteados, tez clara, mas bronzeada pelo abuso involuntário do sol diário. Linda, mas descuidada e abandonada; achou interessante as reflexões do filho e ponderou enquanto pôs cuscuz num prato plástico azulado e café num caneco de mesma cor para Junior. Ao mesmo tempo recolhe uma xícara num pequeno armário ao lado do forno a lenha e se serve com um menor de café. Dirige-se até a porta dos fundos e senta-se no batente dando leves beliscadas na bebida matinal.
– E eu sei?– Sabe o que mãe?– Eu acho que a gente podia encontrar um político melhor que dá mais coisas pra gente.
Contente com a idéia da mãe, que por ora foi também sua. Juninho sorridente completa:
– É... aí nós pode comer maçã de manhã. E quando é que nós tem que votar, mãe?– Você não votar, menino. Só de maior pode votar, ou então quando você fizer 16 anos, se quiser. A próxima eleição é só em 2012.– Haaa! Pensei que era coisa de todo dia.– Quando for na cidade pergunto às pessoas de lá, que são mais informada, quem são os político melhor que o seu Manoel.– É... aí quando ele vier pedir a senhora pra votar nele a senhora diz que vota, mas que vai querer um bocado de maçã da roça dele e mais um monte de coisas, né mãe?- É Junhinho...
Finda a refeição, o café e a conversa; dona Maricota recolhe o prato do menino e se dirige ao quintal e coloca numa pia de improviso, ao lado pega uma vassoura de folha de rabugem e se dirige ao curtíssimo terreiro para apartar algumas folhas secas trazidas pelo vento da grandessíssima fazenda do Doutor Manoel. Logo atrás dela chegava o menino no encalço. Ele parou e observou a beleza das flores do maracujá que trepavam junto a cerca, observou e observou. De repente um Jeep saia da fazenda lentamente...
– Olha Juninho, não morre mais...
Dona Maricota interrompeu a varredura e parou a observar a passagem do imponente carro do doutor. Juninho correu, a abraçou e enquanto passava o monstro de metal, ambos acenavam sorridentes para o bigodudo político, fazendeiro, coronel que se esvaiu deixando somente poeira para trás.