27 de dezembro de 2010

Um Samba chorado: Pinceladas d‘O Machete.


Num lugarzinho ali, próximo aos arredores do Morro Chuchu, na Valéria, Juca observava as luzes de cima e as misturas sonoras que ecoavam morro abaixo. Logo quando criança vira seu pai a tocar felizes sambas para a comunidade localizada somente ali mesmo, com um cavaquinho, o qual agora fica exposto no quarto; crescera vendo a mata de cima sendo derrubada e povoada. Agora recém casado e empacotador num supermercado do bairro ostenta entrar para a faculdade de música na Universidade Federal da Bahia e tocar na orquestra sinfônica.
Juca tinha uns 23 anos, por aí assim. Era alto e forte; achocolatado como as meninas das escapadas o classificara. Próximo a completar 23 casou-se com Bela. Juca a conhecera num partido alto quando tocava com os amigos, para se divertir e faturar uma grana. Logo se encantaram, Bela tinha um remelexo hipnotizante nos quadris, um belo sorriso envolto por fartos lábios apimentados. Foi amor a primeira vista.
O primeiro encontro o fazia lembrar a forma como fora apaixonante ouvir um sujeito na Avenida Sete tocando uma música sem vozes, com um instrumento só. Era também um cavaquinho, mas o rapaz o tocava como se acariciasse o instrumento, o tocava e o sentia. Era harmonicamente sublime. De repente, um outro rapaz aproximou-se lenta e naturalmente com um violão como que sambando meio de ladinho. Encantando, agora, uns três ou cinco ouvintes que ali pertinho se encontravam.
O do cavaco era o Jr. e o do violão Bruninho. Assim que os rapazes pararam a música Juca direcionou-se a eles.
- Olá!
- Olá.
- Ouvi vocês tocando, achei excepcional.
- É chorinho. Tocas também?
- Toco. Mas não isso aí. Toco pagode.
- Vamos tocar uma juntos. Puxe um aí.
De pronto Juca emendou um lá lá . Então os rapazes começaram o acompanhamento. Quando se deram conta estavam tocando um pagode meio vulgar conduzido por Juca; então pararam a música; Juca percebeu o desgosto dos rapazes em produzir aquele som. Então sorriu amarelamente e logo disse imponente:
- Quero tocar igual a vocês. Onde moram?
- Moramos no Costa Azul e você?
Engoliu reticente e respondeu: Na Valéria, aos arredores do Morro do Chuchu.
- Poderíamos tocar um dia na comunidade e depois ensaiarmos. Disse Bruno.
Juca ficou contente e confuso. Definitivamente aqueles caras não eram dos típicos playboys da zona nobre; ponderado, então, Juca sorriu e assentiu. Trocaram telefones para combinarem um dia e se despediram.
O casal tinha uma vida harmoniosa, apesar da moça não gostar mais que seu marido tocasse em partidos onde moças sedutoras requebravam a vontade. “E não gosto mesmo!” Reclamava sempre entoando um ciúme autoritário. Assim, Juca juntou “o útil ao agradável”, pois aprender a tocar chorinho significava, temporariamente, não tocar nos partidos e apaziguar, como sempre fizera, a relação com Bela.
Ela era uma moça de um metro e setenta e oito, por aí assim. Negra como se fosse da Costa; os cabelos em brilhante negro nagô davam um charme excepcional. Estudava num curso de administração numa faculdade privada daquelas que apareceram como trazidas numa enxurrada. Eram felizes, mas ela odiava a idéia de disputar o carinho do rapaz com o instrumento. Num dia desses aí, no ano de 2010, parecendo um Sábado, os tocadores estabeleceram contato indagando sobre a possibilidade de tocarem em algum ambiente nos pés da comunidade. Na realidade era um projeto dos dois de difundirem o estilo musical. Juca topou e ficou combinado da seguinte forma: se encontrariam às 14 na casa de Juca e à noite fariam um som no local.
Na hora exata aparecem os rapazes no local combinado. Num ponto coletivo ali aos arredores da MegaTork. Num carro popular com vidros escuros Jr. e Bruno convidam Juca à entrar; entrou e disputou espaços com um violão e um cavaquinho no banco de trás; compartilharam as afinidades, sonhos e planos durante o trajeto. Bruno concluindo o curso de Direito aos 24 anos, estava na carreira por tradição familiar; Junior tentara ingressar no curso de música da UFBA, mas sem sucesso. Juca logo afiliou-se a este devido ao sonho de entrar no curso de música tanto quanto pelo instrumento.
Muitos buracos e esgoto a céu aberto – um forte cheiro – enfrentou o veículo popular até chegar à casa do pagodeiro; era uma casa simples pequena e com pouca luz. Alguns poucos móveis, mas forrada de equipamentos eletrônicos, favorecidos pelas longuíssimas linhas de crédito. Bruno parou observando detalhes, não muito surpreso; As paredes pintadas com tinta de longa data, tinha na estrutura todos os sinais temporais e um quadro exibindo fotografias do casamento. As quatro primeiras paredes estavam cheias deles.
- Acomodem-se, por favor. Disse Juca, enquanto entreva no quarto para pegar seu instrumento.
Os rapazes sentaram-se no sofá, mas logo levantam-se afim de resgatarem os instrumentos no carro.
Fica ai, deixa que eu pego. Disse Bruno.
Junior concorda e recosta-se despojadamente no sofá; alguns segundos mais Juca aparece e cordialmente oferece uma bebida ao rapaz questionando sobre a presença do outro – a bebida teria sido rejeitada:
- Cadê?
- Cadê, o que?
- Bruno.
- Ah...! Foi no carro pegar os instrumentos. Já já começamos.
Ao encerrar o ligeiro bate-papo Bruno aparece com os instrumentos acomodando-se ao lado de Jr. Do outro lado entrecortado geograficamente por uma mesinha de centro, Juca.
- Então? Por onde começamos?
- Vamos tocar alguma coisa aqui você observa e tenta acompanhar. Depois a parte teórica.
- Certo, então.
Começaram, pois, em um no baixo do violão, logo Jr. iniciara a composição de uma forma simples, então Juca começou a acompanhar o som, empolgado. Sorridentes tocavam os três em harmonia. Até que Jr. iniciara um dedilhado. Uns gestos velozmente estranhos nos dedos, os quais não deixavam Juca ver e sentir as notas tocadas. A partir desse momento somente dois instrumentos sonorizavam a sala. Juca ficou tão nervoso que nem pensou em continuar o ritmo, pensava só em tocar daquele jeito: veloz e com encanto.
Entre a parede que separava a sala da cozinha jazia Bela, encantada pela produção sonora. Encantada. Observava tudo com ares amáveis. Juca a percebeu. E, quando os rapazes interromperam a música ela ergueu palmas aos rapazes, ligeiramente envergonhados. E assim, transcorreu o tempo. O contato havia dado certo para Juca, mas não para os novos amigos, pois a comunidade não apreciara muito o som. Ainda assim, eles a freqüentavam. Entre toda a comunidade apenas Bella e mais alguns poucos moradores admiraram o som. O que ela não gostava mesmo era a atenção exacerbada que o marido tocador aplicava às melodias.
Passaram-se muitas semanas até o próximo encontro; Juca aplicando-se ainda mais ao instrumento para poder surpreender os amigos, mas o que mais conseguia eram reproduções de solos pagodeiros. Todavia, no dia marcado para as aulas, somente Bruno apareceu, pois havia Jr. adoecido. Juca sentado às portas do fundo a observar morro acima, enquanto um ar seco e quente acariciava maliciosamente sua face; a porta estava aberta e, da entrada o rapaz chegante podia ver o colega sentado à porta do fundo, num banquinho de madeira, com o instrumento nas mãos, abafando as cordas e entoando mudas notas, mudas.
- Que houve amigo?
Juca estava mudo. Como mudas ficaram as cordas. A cabeça baixa os olhos baixos e os tons agudamente baixos.
- Ela se foi! Foi-se por causa do cavaco.
Juca chorava o chorinho que nunca conseguira produzir.
- Como?
- Nada!
Juca chorava, silenciosamente. Mas o cavaco, não. Levantou-se, de cabeça baixa, segurando friamente o instrumento, atravessou o caminho do amigo, a cozinha, a sala e, penetrou o quarto onde jazia o cavaquinho, guardado com tanto carinho e respeito, do seu pai. Depositou ali seu sonho também. Recolheu a saudade. Horas depois o mal do século o acometeu.

2 de dezembro de 2010

Estive vadiando por ai nos últimos tempos, na universidade principalmente, mas estou de volta;

Agora escreverei com maior frequência, assim espero. Apesar de ficar entediado para escrever, pois estou duro, sem grana para manter a net em casa, o que me dava conforto e relativa criatividade.

No momento, só escrevi um conto, enquanto assistia um seminário...
Breve, postarei algumas coisas novas.

Abraços e obrigado aos que têm frequentado o blog
mesmo sem nada de novo para ler.

Hippie em movimento.

O crepúsculo caia e o sol em amarelo avermelhado cortava em feixes de luz as longas folhas elípticas das árvores, formando um luminoso túnel no Parque da Cascata, no ínfimo distrito de Quaquaqua Nhenhenhem.

Eu, como espectador do espetáculo natural, apreciava tudo serenamente; enquanto uma fresca brisa me acometia decidi - com muita dificuldade - caminhar e entrar em contato com os transeuntes além do parque.

Enquanto caminhava pelo túnel de Ipês e Paus Brasis, o sol sutilmente cobria minhas costas esticando largamente minha sombra e o vento acariciava de forma suave a copa das árvores e minha barbuda face; via, assim, o túnel florestal se esvair e uma movimentada zona urbana materializar-se lentamente diante de mim.

Penetrei a zona dubiamente e sem motivações; caminhava, já, entre duas fileiras de prédios modernamente emparelhados onde os últimos raios de sol os riscavam em diagonal. Uma multidão de passantes, no horário de pico, por volta das 18:10, por aí assim, vinham em minha direção. Andar naquela passarela exigia um jogo de malabares corporal excepcional; caminhei, pois, de cabeça baixa, observando vultos e sapatos, ténis, tamancos, alpercatas, raros chinelos, talvez só os meus.

Mais a frente, um grupo de pés descalços me chamou a atenção, era estranhamente novo. Três ou quatro. Dedos empoeirados em cinza e fortes canelas expostas. Diferentes para o ambiente, a muito frequentado por mim. Diferente porque o bairro ao redor do parque era composto e frequentado pela classe dita média alta, ou sei lá o que, empresarial e o parque estava na maioria das vezes ermo. Ao me aproximar, percebi que eram tradicionais hippies, embalados ao som de um violão, às rasgadas falas d'O vampiro doidão.

Em instantes toda a estranheza que o ambiente, naturalmente hostil me causava foi abatida pela alegria desbocada dos quatro viajantes. Ao mesmo tempo em que causava olhares fulminantes de resistência nos jovens empresários.

Então, em meus simples trajes, bem longe da toga terno-gravatesca dos passeantes, acocorei-me, cumprimentei "os caras" e sentei na calçada. Parei então a pensar: para que RG? CPF? Todos esses números de controle? Se a vida é melhor cantada e viajada? Porque sofrer as depressões - o mal do século XXI? Refleti, cantei. Gozei aqueles curtos minutos, três ou cinco, por aí assim; todavia, quando os olhos abri, percebi que estava amarrado a todas aquelas questões feitas a pouco, a uma série de valores morais sempre posto em cheque, mas constantemente vividos.

Levantei, à duras forças, saldei os corteses camaradas e deixei alguns trocados patrocinadores do alimento e da continuação da viajem. Me retirei e retomei minha caminhada hippie, sendo um, dentro dum minúsculo distrito.